
torno a ouvir as palavras que te ouvi naquela madrugada glaciar. doía-te a pele, enregelada, fria como a morte, morta que estava a chama que nos incendiou aos dois. os teus olhos já não eram os mesmos e até os sabores do pequeno-almoço da véspera se escondiam agora, receosos dos momentos bons que se faziam memória. o passado escrevia-se com verbos no presente e as chamadas de horas custavam agora a fazer, traídas pela distância exacta dos metros que nos separavam.
aquele vento gélido voltou hoje. as minhas mãos isentas de sangue tocaram as teclas do telemóvel ao som de um sms recebido. o teu nome estava lá, a dar-se à lembrança, a dar-se ao pensamento, como se, por milagre divino, a meteorologia controlasse os afectos. volto a pensar em ti. o teu sorriso meigo e doce; o teu rosto de porcelana, pintado à mão por delicadas mãos de artesão; a tua ingenuidade escondida; a tua maturidade fingida; tudo isso que me levou um dia a amar-te. e a não deixar esquecer.
o sms nada revela. vem branco como a história dos nossos dias. tenho frio. e sabes, dói-me a pele também.
imagem [olhares]