sexta-feira, dezembro 31, 2004

esta é uma noite para comemorar

esta é só uma noite para partilhar
qualquer coisa que ainda podemos guardar cá dentro
um lugar a salvo para onde correr
quando nada bate certo
e se fica a céu aberto
sem saber o que fazer
esta é uma noite pra comemorar
qualquer coisa que ainda podemos salvar do tempo
um lugar pra nós onde demorar
quando nada faz sentido
e se fica mais perdido
e se anseia pelo abraço de um amigo
esta é uma noite para me vingar
do que a vida foi fazendo sem nos avisar
foi-se acumulando em fotografias
em distâncias e saudade
numa dor que nunca cabe
e faz transbordar os dias
esta é uma noite para me lembrar
que há qualquer coisa infinita
como o firmamento
um sorriso, um abraço
que transcende o tempo
e ter medo como dantes
de acordar a meio da noite
a precisar de um regaço
Mafalda Veiga, in Tatuagens
um espectáculo de 2005!

na hora do balanço

apanhado de surpresa pela fúria dos acontecimentos, acabei engolido pelo tempo. quando dei por mim já lá ia uma semana inteirinha sem plateia, sem teatro, sem palavras. apenas a vida. nua e dura. o trabalho, as reuniões, as iniciativas, os preparativos para tudo e para nada, a busca de sonhos, a realização de outros, horas, minutos, segundos tão fugazes como a vida. e hoje, qual peça trágico-cómica, dizem-me que acabou mais um ano. e assim é.
não gosto de balanços, principalmente quando o passivo assume maior significado do que o activo e os capitais próprios são escassos. nas empresas como na vida ter um balanço destes não é nada, nada bom. contudo, felizmente (à que dar as graças a quem as merece!), o balanço dos meus últimos 366 dias não sofre daquele mal.
profissionalmente, separemos duas fases. o primeiro semestre foi para esquecer. a angústia da incerteza, o diz que disse crónico, a falta de solidariedade e companheirismo, a ruptura da equipa... e estou eu de férias no Luxemburgo e na minha caixa do correio cai a minha carta de cessação de contrato. férias estragadas? quase. felizmente, após o regresso, e lá entramos no segundo semestre, as coisas tomam outro rumo. uma nova administração assume funções, a equipa sofre reajustamentos e (à que dar graças a quem as merece) lá continuei, a bem da verdade, nada pior do que antes. há que admiti-lo: muito bem mesmo!
pessoalmente, as coisas dividem-se também em duas fases temporais. curiosamente, igualmente no primeiro e no segundo semestre. no primeiro, os momentos de prazer, a suavidade da tua pele, o olhar o mar a teu lado, o saber-te ali sempre que precisava, fizeram desses loucos momentos suaves recordações. depois as coisas tinham que ser definidas e tu acabaste longe. depois disso apenas a beleza de um rosto, o carinho de outras palavras, e a verdade é que, acredito eu, por acordares todos os dias à distância de quilómetros, cá estou sozinho. triste? quase.
os amigos são a compensação de tudo. permanecem os mesmos. iguais a si próprios. loucos, determinados, carinhosos, amigos e pronto. a vocês, aos que estão longe e aos que estão perto, dedico o meu ano. obrigado por tudo.
e o balanço resume-se assim: o activo engloba a profissão, a realização pessoal e a concretização de alguns sonhos e o passivo acumula as despesas com o campo emocional. os capitais próprios assumem no meu balanço o enorme peso da amizade. e essa (à que dar graças a quem as merece!) dá-me equilíbrio para viver feliz. em consciência, de bem com os outros e com o mundo.
venham mais 365 dias. mais palavras, mais cenários, mais teatro, mais plateias. cá estou eu para os viver.

sexta-feira, dezembro 24, 2004

porque hoje é natal...

... as palavras não podiam ser mais simples.
a blogosfera já faz parte da minha família. por isso esta noite, junto dos que mais amo, beberei um copo (ou mais!) a pensar em todos vocês!
e como não poderia deixar de ser...
um feliz e santo natal para todos.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

êxtase

depois de ler um post da Ana
Ontem,
na plenitude apocalíptica do ser,
nas ondas do teu cabelo,
suave, doce, misterioso, maresia
compreendi-me uma vez
o cheiro a lua, o azulado do céu
tu e eu transformados em nós
juntos na areia fria e de ninguém
por momentos soltas as nossas mãos
nas delícias de um vulcão
no desejo imperioso do tempo
com o mar a teus pés, suspirando
os barcos discretos, as estrelas
a multidão e tu e eu
loucos, no teu corpo meu
em tudo o que era nosso
até o tempo, até o mar, até o som
a noite do sol e sem vento
na verdade inesquecível do instante
e lá longe a vida, o mundo
ontem será sempre hoje
doce lembrança no futuro
a benção da natureza
13/06/2001

segunda-feira, dezembro 20, 2004

amizade a quanto obrigas

o telemóvel toca.
olha hoje não vai dar. preciso de descansar. sim, eu sei. pois, está bem. hoje tive um dia complicado. jovem, eu não tenho a tua vida! sim, sair com os amigos ajuda a relxar, eu sei... pronto, está bem. convenceste-me.
às 21h30 no sítio do costume.
e em dois minutos sou obrigado a reabrir a conta corrente de hoje.
felizmente, a guia de remessa não obriga a pagamento e a encomenda fica-se por umas boas gargalhadas.
os amigos são mesmo assim. estão lá... sempre.

conta corrente

venho para casa perdido na confusão dos números, das contas, dos euros, dos cheques e das facturas... no fim do dia, o sol já foi, já desliguei o computador e o silêncio toma conta do espaço. ouço pela primeira vez em largas dezenas de minutos a minha própria respiração. lenta, sincronizada, cansada. já lá vai mais um dia. mais um. a seguir vem o volante, a estrada, os faróis que nos encandeiam em cada esquina, os semáforos - sempre vermelhos! -, um gato perdido na passadeira para peões e a nossa casa... tão minha. não estás lá para me receber com um sorriso. não estás lá para me receber zangada. simplesmente não estás. e as contas, os números e tudo o resto dá lugar à solidão. sem sorrisos, sem palavras, sem gestos. tenho esperança no sonho que há-de chegar. tenho esperança no dia de amanhã. tenho esperança noutros sorrisos. quanto mais não sejam aqueles roubados à felicidade de um cheque contra recibo. até lá... boa noite. por hoje a minha conta corrente está saldada.

domingo, dezembro 19, 2004

algodão doce

adoro lençóis de estrelas. quentinhos. e o som das ondas e dos teus sussuros ao meu ouvido. do que falas nem eu sei. sei apenas que estás ali e que é bom estares aqui. é bom demais ter-te ao meu lado. recebo os teus doces beijos como açúcar. sinto a tua pele na minha, macia como o algodão. tento conciliar a minha respiração à tua. é doce a tua brisa. é suave o teu cheiro. é tão bom estar ali. aqui. gostava de cristalizar esta sensação. cristalizar o momento. para que por ele pudesse viver todas as outras horas e minutos e segundos de cada dia. algodão doce. açucar cristalizado. açúcar que se pega às mãos e que custa a largar. vejo nos teus olhos amor. e, por momentos, quero fazer parar o mundo. reduzi-lo ao nosso espaço. mas as estrelas também se vão embora e com elas se desfazem os lençóis. a vida está aí novamente. pelo menos, por esta noite, estiveste aqui. e na minha boca sempre deixaste o teu sabor. era de algodão doce.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

no intervalo do tempo

entre o chegar e o partir novamente não podia deixar de vir aqui deixar um sorriso.
afinal, mais vale um sorriso nos lábios que um murro nos dentes!
e boa noite.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

blasfémia

quatro cadeiras, uma mesa. ao fundo, o balcão envidraçado, as garrafas coloridas, os chocolates. sente-se no ar a disposição leve dos dias bem vividos, as gargalhadas sentidas, as anedotas geniais, as porcas, as malucas, as ‘tecla três’, as louras, as alentejanas. os turistas e as gentes da terra por ali ficam. de sorriso largo e coração aberto. sabem bem aqueles fins de tarde! e esta? qual? esta: um padre da província contava na Eucaristia um dos mais famosos milagres de Cristo, aquando da sua visita à Terra: a ressurreição de Lázaro. “E então Cristo pegou nas mãos de Lajaro e dixe-lhe: ‘Lajaro, alebanta-te e anda’ ... Lajaro alebantou-xe e andeu". Nisto, ouve-se uma voz do fundo da Igreja: ‘Andou, estúpido!’ Ao que o padre respondeu: ‘Pois andou estúpido durante uns tempos, mas depois paxou’”. num ápice, o sossego do sol ao retirar-se dá lugar à confusão: a polícia! eis que de metralhadora na mão, duas dezenas de polícias enroupem pelo bar dentro, ordenando: “Mãos ao ar! Estão todos presos por blasfémia!” o quê? por blasfémia? vê-se então levantar-se de uma das quatro cadeiras iniciais António, um velho pescador, que do alto dos seus cabelos brancos, enche o peito de ar e questiona: “Então que é feito da liberdade de expressão?” o rosto do oficial presente transfigura-se e, num berro, sentencia: “Quem? Liberdade de expressão? Mas eu quero lá saber da sua mulher para alguma coisa! Choldra, já!”
"Se não forem cuidadosamente delineadas, podem ser assaz perigosas as propostas oficiais de revivescência e ampliação do crime de blasfémia em alguns países europeus (Holanda, Reino Unido)" in Causa Nossa.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

mãos

mãos. as tuas mãos que vagueiam perdidas sobre a areia. mãos que procuram o corpo, a certeza, o calor, o coração que as largou ao vento. sentem o mar por baixo delas, lá no fundo, a imensidão de tudo por baixo do manto arenoso, por baixo de milhares de grãos de areia, por baixo das tuas lágrimas. mãos. as tuas mãos que procuram as ondas que fogem, que vêm e tornam a fugir. como todo o mundo, como o teu corpo e o meu corpo que se entrega e se recolhe, se dá e se esconde. as tuas mãos apoiadas na solidez da incerteza. as tuas mãos no nada. as tuas mãos vazias de alma. as tuas mãos no fogo da paixão esquecidas de amar. as tuas mãos sozinhas, enraivecidas, cruéis, parciais. as tuas mãos juízas da vida. as tuas mãos que sentenciam o rumo da areia, dos grãos que te escorrem pelos dedos e se deixam levar pelo vento. as tuas mãos ali, esquecidas, sem anéis, sem alianças. sozinhas. mãos. longe de ti, longe de mim.

domingo, dezembro 12, 2004

momentos

há momentos, pequenos, nas horas
que nos transportam para lá de nós
levam-nos para junto da nossa voz
onde o sonho se enche de histórias

lá onde o sorriso se põe como o sol
onde a lua brilha e luz na penumbra
entre desejos perdidos na bruma
que se escondem da luz do farol

há momentos, grandes, nos minutos
que nos fazem homens com vida
escuta-nos a alma no tempo perdida
onde a chuva cai e brincam os putos

lá onde a idade não mora, mas vive
não chora, mas ri e dança sempre
onde se vê flores feitas de gente
e se canta com amor o vento livre

28/02/2002

...

"se não lutarmos pelo futuro que queremos, o mais certo é termos o futuro que não queremos"
das frases que me acompanham desde sempre.
e aqui o sempre é um dia em que li a "fórum estudante", já lá vão uns anos valentes, e o secretário de estado do ensino secundário da altura, cujo nome façam o favor de não me perguntar, disse esta frase, incentivando os alunos à defesa dos seus interesses. era preciso não desistir. não baixar os braços. era preciso lutar sempre. por nós e pelos outros.
acreditem ou não, apaixonei-me pela frase e ainda hoje, em surdina ou bem alto, a faço discursar para mim. tantas e tantas vezes.

no meio do palco

abre-se a cortina no pequeno teatro
no meio do palco, sozinha
acaricia as sapatilhas
no meio do palco, sozinha
um silênciono meio do palco, sozinha
olhares perdidos na galeria
no meio do palco, sozinha
acaricia o corpo lânguido
no meio do palco, sozinha
medo de tudo, menos de dançar
no meio do palco, sozinha
vestidinho justo, postura firme
no meio do palco, sozinha
cabelo vermelho levemente quente
no meio do palco, sozinha
pés no assoalho, um pulo
no meio do palco, sozinha
todas as músicas
no meio do palco, sozinha
duas piruetas
no meio do palco, sozinha
escuro na coxia
no meio do palco, sozinha
outro pulo bem alto e um rodopio
no meio do palco, sozinha
orquestra fantasma
no meio do palco, sozinha
anos de estudos
no meio do palco, sozinha
um diário de verdades
no meio do palco, sozinha
lembranças de dias bons
no meio do palco, sozinha
tempo solicitado
no meio do palco, sozinha
horas em cima de dedos
no meio do palco, sozinha
beijo de brisa
no meio do palco, sozinha
um vai, uma volta
eu, na platéia
você, no meio do palco
quem disse que estamos sozinhos?
SP 11/10/01 Jean Boëchat

sábado, dezembro 11, 2004

vocação

vocação para mim é o talento ao serviço de um fim.
o talento que encontro na mãos de uma médica muito jovem, que para lá da sua competência técnico-profissional, em fase de consolidação é certo, transporta consigo o amor pelo que faz, aliado a uma intensidade humana fortíssima. com ela, aprendi que os médicos também têm nervos, também suam, também têm medo e também nos pedem para rezar. por eles e por nós.
o talento que encontro nas mãos de um cirurgião-chefe, do alto da sua autoridade científica, afastado dos medos, dos nervos, dos receios, das rezas e que se dá ao trabalho com conhecimento de causa e ponto final. no final, depois da obra feita, sorri e também sabe contar histórias.
o talento que redescubro no brilho dos olhos de uma assistente social que sofre com o paciente, que ri com o doente, que chora com a vida. com ela aprendi o verbo entrega. aos outros, a nós próprios, à vida pelo prazer da vida.
com todos eles aprendi o que é vocação. com todos eles, aprendi a acreditar num país melhor. aprendi que é possível, mesmo dentro do sistema nacional de saúde, haver funcionários públicos competentes. ao serviço de todos.

cuidado: frágil!

depois desta minha última semana, e ainda em fase de recuperação, houve conceitos estruturais que se alteraram definitivamente na minha forma de ser. e o que é que eu quero dizer com esta frase sacada à moda do Dr. Sampaio? que para mim todos nós, homens e mulheres, devíamos trazer escrito, em local bem visível (a testa parece-me bem), a frase: cuidado: frágil! porque é disso que se trata efectivamente a vida humana: algo de muito frágil. podemos estar bem, sentirmo-nos os melhores do mundo e, de repente, sem quê nem para quê, aí estamos nós diminuidos fisica ou psicologicamente, porque o corpo ou a alma, este sistema complexo, nos resolve pregar uma partida. nestes dias, sublinho a importância da saúde na nossa vida. reconheço a efemeridade da vida humana.
todavia, sei que pelos condicionalismos da vida prática, lá virá o tempo em que estes considerandos não terão valor nenhum. farão apenas parte de um momento, daquele momento passado. contudo, é hoje, neste momento, que os sinto e que, por isso, os devo sublinhar. porque são reais e devemos aproveitarmo-nos da lucidez quando ela nos visita.
e deste discurso, retiro para o meu interior, que a vida é frágil. que os sorrisos são importantes é no presente, porque se o futuro têm importância ele, em si, é incerto.
por isso, meus amigos, há que viver a felicidade hoje.
afinal, um sorriso não custa assim tanto. e amanhã pode já ser tarde demais.

sala de (des)espera

e é assim: de um momento para o outro, eis-nos perante situações completamente novas. ali estava eu, após uma semana de dores intensas na zona umbilical e uma passagem pela médica de família, na sala de espera do hospital. a triagem foi rápida, deram-me uma cor qualquer (ainda hoje estou para descobrir qual), e mandaram-me esperar. "naquela sala ali. sente-se e espere". a sala estava vazia. eu, a televisão e as paredes nuas. brancas e amarelas. que seca! bem que podiam dar um pouco mais de alegria à sala, mas enfim... é o serviço de saúde que temos. e lá estava ela, em lugar de destaque na parede central, a placa informativa: sala de espera. e eu continuei à espera. dezenas de minutos depois a sala já estava cheia. as dores continuavam, as cenas da política à portuguesa repetiam-se na televisão e eu continuo à espera. alguns minutos depois, revejo a placa informativa com mais pormenor: sala de desespera. o quê? não é que alguém tive a feliz ideia de acrescentar à placa, em local estratégico diga-se a bem da verdade, três letras, escritas a preto e à mão, e que tornaram a sala de espera em sala de desespera. como eu compreendo essas abençoadas mãos! e de repente, ouve-se no altifalante, para que todo o hospital fique a saber: "ricardo, gabinete de cirurgia". gabinete de cirurgia!? ok, eu tenho calma, levanto-me e lá vou eu...

segunda-feira, dezembro 06, 2004

ao final do dia...

as estrelas estavam lá, dispersas no azul escuro da noite. a areia primeiro, um extenso areal fez-me companhia, acompanhando-me os passos ao longo da avenida. está bonita, a nossa avenida, após a queda de algumas estrelas que, imaginem só, ficaram penduradas nos ramos despidos das árvores. mais longe, já depois de muitos passos e passos, perna para lá, perna para cá, ouvi os sinos da Igreja tocarem. uma melodia doce, recortada pelos compassos das ondas. que combinação original, vejam só: ondas e sinos. mas a nossa Figueira é assim mesmo.
levei por companhia a solidão. uma excelente companhia, digo-vos já. pelo menos, está sempre disposta a ouvir os nossos desabafos e raramente discorda de nós, salvo uma ou outra vez em que a consciência se mete ao barulho. e ela acompanha-me, indiferente, inspirando, expirando, ao ritmo das ondas que vão e vêm. o mar está tão masinho. e a noite está fria, mas aconchegante.
há outras almas perdidas na avenida. às vezes, gostava de te ter por companhia. poder falar contigo. e chegar a casa, de mãos dadas contigo, com a penca do nariz gelada, mas a alma bem quentinha.
mesmo assim, sem a tua presença, gosto dos meus passeios. da minha avenida. dos meus passos, noite fora, vigiado pelas ondas, sonhando contigo.

domingo, dezembro 05, 2004

no quente do frio

gosto de Dezembro. do frio lá fora, da lareira que arde cá dentro, dos parágrafos do livro que vou lendo deitado no chão da sala. do silêncio do frio. do silêncio das palavras escritas. gosto também de pensar em ti. imaginar o que fazes nesta noite fria. imaginar o que poderíamos fazer juntos. lembras-te? porque é que o prazer teima em ser como a madeira que arde para me aquecer? porque é que durou tão pouco? arrependido? talvez.
fecho os olhos e dou comigo, de novo, abraçado a ti. lá fora está frio. e cá dentro ferve-me o sangue na certeza da tua presença. e sonho. até que um novo dia chegue. longe de ti, mas consciente dessa verdade.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

palavras da época

tal como a fruta tem época também as palavras a têm. noite feliz, noite feliz. palavras adormecidas, escondidas no pó dos dicionários, dos livros, surgem novas, cheias de sentido, com carácter e determinação. é como se nascessem agora, nesta hora, nesta época. tal como as castanhas no outono, os pêssegos, os morangos, as ameixas e as romãs no verão. é natal, é natal. solidariedade, família, sem-abrigo, entreajuda, carinho, amizade são palavras da época. só nesta altura são proferidas e lembradas. é como se durante todo o resto do ano não existissem. vivem no esquecimento. infelizmente, para todos nós, ainda ninguém se atreveu a dar-lhes o destino das laranjas, das maçãs e das bananas. é que esses frutos existem todo o ano. são como o natal: quando um homem quiser. mas enquanto assim não for, e porque estamos na época delas, bebamos dessas palavras o seu néctar. afinal, mais vale agora que nunca. e um feliz natal para todos.

quarta-feira, dezembro 01, 2004

o (re)nascimento de um palco

eu gosto do verbo nascer. vir ao mundo; começar a ter vida no exterior, diz-se no dicionário. dar de si aos outros. apresentar-se. para um actor, para o teatro, ver o nascimento de mais um palco é ver surgir uma incubadora de vida. uma estufa de atitudes, sentimentos, gestos e olhares. ali a vida faz-se de muitas vidas. o suor é dado com amor, com entrega, com paixão. as vidas irrompem-nos o corpo e a alma, tomam conta de nós e dão-se aos outros. por isso o verbo nascer é para mim sinónimo do verbo dar. foi pois com emoção que vi o (re)nascer do palco do Grupo Caras Direitas, em Buarcos. novinho em folha, com tudo aquilo a que tem direito, com todas as condições de vida, para quem nele quiser viver. basta agora, para dar razão à minha emoção (e ao dinheiro gasto), que nele se construa um projecto de vida, como a associação, os sócios, os figueirenses e o teatro em geral tanto desejam e merecem. sim, porque uma vida quer-se vivida. com prazer e humildade.

sem palavras

porque é feriado. porque me apetece. porque sim.

terça-feira, novembro 30, 2004

obrigado, senhor presidente

o Presidente da República vai dissolver o parlamento. a plateia, os actores e equipa técnica agradecem efusivamente esta prenda de natal antecipada. o país merece.

a frase do dia

"Errar é humano, insistir no erro é americano."

o novo diário da bridget

um filme mais. bem ao estilo britânico, bem in love. vi, ri e gostei. ao estilo do também britânico e apaixonado "love actually is all around", dá para passar um serão bem descontraído. o argumento é demasiado básico, dirão alguns, mas, num mundo tão complexo como o de hoje, é bom sonhar com a vida da "nossa" Bridget Jones. afinal, o amor pode estar em qualquer lado, sejamos nós o que formos, e por si só tornar a realidade bem mais feliz. no final do filme, trago comigo uma certeza: os sorrisos podem ser bem mais simples.

catedrais

são locais de culto. locais de eleição de milhares e milhares de pessoas. por fé, por vício, por distracção. a grandiosidade dos espaços. a escolha humana.
passei por Fátima. a sua catedral, a fé, a devoção, o intimismo e a sensação de uma presença... divina, dirão alguns. critico o aproveitamento consumista do templo, mas mesmo assim admiro o espaço. a multiplicidade de raças, de ideias, de confissões, de cultos, de devoções, de nacionalidades, num espaço único. mesmo sem grande convicção no dia a dia, teimei em queimar uma vela... significa o que significa, mas a sensação é de conforto e bem-estar. catedral da fé.
terminei no Carregado. o campera, o "outlet das grandes marcas", fervilha de gente. devoção, dirão alguns. o tempo é de crise e os preços baixos convidam à visita. são imensos os casais, imensos os sacos de compras, imensa gente em tudo quanto é loja, seja ela do que for. catedral do consumo.
pois, catedrais diferentes, mas ambas escolhas da pessoa humana. como manda o século.

sábado, novembro 27, 2004

a caminho da noite

"hoje eu vou ficar por aqui
não esperes por mim
eu já te dei mais do que eu sei
eu já fui já andei
não esperes por mim
e tudo o que eu queria
um tempo para mim
sabes bem que é inutil mudar
que o tempo faz parte de mim
hoje vou ficar
hoje quero ir
ao fim desse olhar
só para te sentir"


palhaçada cultural

"UE: 10 ministros propõem acrescentar Carta da Cultura à Constituição Europeia
A encerrar a Conferência de Berlim sobre Política Cultural Europeia, ministros da Cultura de 10 países europeus propuseram hoje que se acrescente à Constituição Europeia uma Carta da Cultura." in Agência Lusa.
Muito lindo! E, pergunta o actor, isso resolve os problemas que hoje em dia assolam, em grande escala, várias agentes e promotores da cultura em Portugal? Se em Portugal nem sequer há uma política concertada para o sector?! A bem da verdade, até temos um Ministério da Cultura, mas alguém sabe o que faz? E para onde vai o dinheiro?
Mas, enfim, é mais fácil assinar Cartas e Protocolos do que pô-los em prática. E está tudo dito.
PS: Este não é habitulamente o registo das palavras neste teatro, mas, desculpe-me a plateia, eles inventam cada uma que eu fico chateado, é evidente que fico chateado.

marioneta do amor

no DNa, como sempre, li esta bela frase da grande estrela do cinema europeu Hanna Schygulla: "o meu mais belo sonho é tornar-me uma marioneta do amor". parei a leitura e reli uma vez mais: "uma marioneta do amor". adorei ou não fosse eu o fiel autor de tantas das palavras deste teatro. e à mesma senhora fui buscar a explicação: "é o amor que me puxa os cordelinhos, que me motiva, sobre todas as suas formas". ponto final. olhei o céu para lá do vidro. estava cinzento, "vem lá chuva", ouvi dizer. e sonhei um dia cumprir o sonho da Hanna. tornar-me uma marioneta do amor... eu e todas as pessoas que, já hoje, são marionetas... embora hoje os seus cordelinhos sejam puxados por interesses bem menos importantes. para pensar e sonhar.

sexta-feira, novembro 26, 2004

sorrisos

"Distribuir sorrisos através de palavras…" in Delírios2004
É o que tento fazer. E está tudo dito.

palavras lidas

"ANEDOTAS SOBRE LOURAS
A Hungria poderá aprovar uma lei que proíbe as anedotas sobre louras.

De facto, no Parlamento de de Budapeste deu entrada uma petição entregue por um grupo de louras que assim protestam contra o que afirmam ser uma autêntica discriminação “no mercado de emprego, no local de trabalho e mesmo nas ruas”. “Se é proibido discriminar judeus ou negros, por que não dar a mesma protecção às louras?” – afirmou uma porta-voz do movimento, a ‘louríssima’ Zsuzsa Kovakcs." in
Correio da Manhã
Ai se os nossos compadres alentejanos sabem...

bom dia, sexta-feira

é mesmo isso. um bom dia. com a certeza de que amanhã é fim-de-semana. com frio, sol ou chuva. para descansar, para brincar, para passear, para dormir agarradinho a ti, para nós. bom dia. para todos.

quinta-feira, novembro 25, 2004

páginas brancas

"A tela que utilizas é nada mais, nada menos que a folha de papel aberta em branco, pronta para ser pintada!" Deixa-me pintar nesta tela o meu palco. O palco vazio, o palco branco ou preto, o espaço do nada. Onde, como em qualquer folha branca, o tempo se dá às nossas mãos. Ali, desenhamos espaços, cenários quentes ou frios, urbanos ou rurais, de interiores ou exteriores. E com as cores das tintas e das madeiras, nasce a vida. Como a vida que desenhamos no papel. "Espero que os momentos com que olhas os olhares dos outros se tornem nesta folha cores singelas e quem sabe aqui encontrarás o teu terreiro das emoções!" Aqui, nas páginas brancas que me ofereces, bebo as palavras e a vida que dou aos palcos. Porque o palco também é um terreiro das emoções. Emoções que não vivemos, mas que sentimos. Emoções como as que as tuas palavras, serennablack, me fizeram sentir. Porque na vida, no palco, nas páginas que vamos preenchendo, sabe bem saber das palavras dos que nos olham. Com carinho.

terça-feira, novembro 23, 2004

guerra aberta

pois é, meus amigos, a mente humana é lixada. em português corrente, fodida mesmo. no amor então, ui, meus senhores, o que esta desgraçada faz ao corpo. se gosta, entrega o corpo, a alma e a vontade, quando não a vida por completo. nas mãos, nas tuas mãos, nessas mãos que me acolheram noites e noites e me acariciaram em tantas manhãs. depois, que puta de mente, de vida!, descobri num olhar o prazer que as tuas mãos, o teu corpo se ia recusando a dar. por minha culpa, por tua culpa, por nossa tão grande culpa. ámen. e fui, perdido, mas fui. a mente enganou o corpo e o corpo gostou. findo o primeiro acto, descobre-se a verdade. é das tuas mãos, do teu corpo que eu preciso e que já não tenho. e a minha mente dá-me lágrimas e o corpo o arrependimento. mente vs corpo. está a guerra aberta. num lar perto de si.

domingo, novembro 21, 2004

neste domingo...

o sol está quente e o rosto sente. para cá da janela o dia está mágico. no descanso do fim de semana, sento-me frente às palavras e delicio-me com elas. vejo o meu gato, espreguiçar-se, enquanto dorme o sono dos justos. a rua deserta, o céu de um azul ténue e o sol que brilha o briho do Outono. lá fora está frio. adivinham-se os fumos nas chaminés, as luzes a piscar nas varandas, as compras apressados ao fim do dia... vem lá o natal! enquanto isso o autor relembra o sabor das castanhas, nas acabadas festas de São Martinho, e dá graças aos deuses por estar vivo. ao sol. neste domingo...

O terreiro das emoções

Esta manhã levei-me ao aeroporto. Lá, entre as partidas e as chegadas, check-ins and gates, malas, malotes e sacos de mão, travei conhecimento com as emoções. Lágrimas de quem parte e de quem fica, lágrimas de quem chega e de quem já cá está. Abraços sentidos. “Todas as cartas de amor são ridículas”, dizia o poeta, e elas transformam-se em acções quando há amor. Provavelmente ridículas também, mas sentidas. E isso é o que importa. Vejo namorados que se despedem com beijos doces perdidos entre lágrimas. Imagino-me pintor diante do “momento”, mas não tenho telas nem pincéis. Apenas o olhar, o meu olhar perdido, no terreiro das emoções. Porque ali elas são sentidas. Sem convenções. Todos os dias, a todas as horas, nos aeroportos do Mundo.

Dia da memória

Da fraca memória. Dos pés pesados. Das velocidades inconscientes. Das manobras perigosas. Das mil e uma campanhas de sensibilização. Da realidade nua e dura, esquecida todos os dias na estrada. Das vítimas. Porque um volante não é um meio de afirmação, mas antes a “triste” projecção do homem diante de si mesmo: uma besta. Até quando?

quinta-feira, novembro 18, 2004

o espírito da dança

22h. Grande Auditório do CAE. Spirit of the Dance.
“Spirit of the Dance” é considerado um dos maiores espectáculos de dança de sempre, e um dos que mais êxito colheu a nível internacional, batendo recordes de bilheteira em todo o mundo. Trata-se de uma fusão da cultura irlandesa com diferentes ritmos e danças do mundo como o Tango, Flamenco, Salsa, Tap ou Jazz, e tem a particularidade de incluir no seu set alguma da cultura popular dos países por onde passa. Distingue-se ainda pela extrema qualidade dos seus bailarinos, campeões do mundo de dança irlandesa, que executam os seus passos com uma destreza e precisão impressionantes. A par com um vestuário deslumbrante, vão criando, assim, imponentes coreografias onde sobressaem igualmente uma espectacular iluminação e uma música poderosa, que fazem continuamente vibrar o público. Como alguém já definiu, “Spirit of the Dance” é “a apoteose num palco”.
in CAE
Eu vou.

o princípio do fim

avante, camaradas, avante...
lutam, defendem valores, acreditam em ideais e são...
e no fim, depois de tudo, do sofrimento, das fugas, das torturas e das censuras, são livres num país livre.
e mesmo assim suicidam-se.
é o argumento de uma candidatura à liderança de um partido com mais de oitenta anos de história, num congresso que promete ser dos últimos.
a vida só acaba quando não a reanimamos. quando não lhe damos oxigénio, novo sangue.
é por isso que, como diz o Amicus Ficaria, estas eleições são eleições para "coveiro".
resigno-me.
afinal, não há pior cego que aquele que não quer ver.

quarta-feira, novembro 17, 2004

nervos à flor da pele

Há pessoas calmas, outras nem por isso.
Há pessoas pacíficas, outras nem por isso.
Há pessoas coerentes, outras nem por isso.
Há quem fale de menos, há quem tenha garganta a mais.
Há quem acuse injustamente, há quem seja injustiçado.
Há quem compreende, há quem faz por não compreender.
Há pessoas más, há pessoas boas.
Há pessoas de quem gosto, há pessoas de quem não gosto.
Há este mundo, há esta vida.
À que aguentar... e ser feliz! Sem stress!

terça-feira, novembro 16, 2004

é preciso viver

é preciso coragem.
parar para responder.
seguir a viagem.
e voltar sen ninguém saber.

respirar. inspirar. expirar.
e vão os minutos, voam as horas
pássaros sem asas
livres sem céu

é preciso coragem.
secar as lágrimas.
sorrir com o sol.
e acreditar que amanhã será diferente.

segunda-feira, novembro 15, 2004

a emersão da consciência

quando a verdade se reveste de nós, aguda-se um problema: a consciência.
e ela tantas e tantas vezes nos atraiçoa o orgulho, nos maltrata o corpo, se reveste de angústias, ansiedades, se apodera do tempo e faz de nós o que nós não conseguimos fazer dela...
no amor, na verdade, no ódio, na amizade, no perdão e na saudade.
quando a consciência se faz lembrar, tenho medo. lá se vai o meu orgulho.
e não sei se hei-de responder certo ou fazer errado. pelo que o coração quer ou pelo que a sociedade impõe. falta-me a coragem...
e no fundo, adoro a vida. vá-se lá saber porquê...

sábado, novembro 13, 2004

o tempo que passa

o dia passou. o sábado perfeito do verão de são martinho. quente ao sol, frio à sombra. infelizmente não dei ao
corpo e à alma o descanso que já mereciam.
hoje, abro os olhos, e vejo que passaram inúmeros actos sem ter dado por isso. uma semana inteira de tempo e o tempo passou por mim sem acenar. passou simplesmente.
a vida é efémera. ponto final.
acreditemos que o domingo será melhor. vamos a ver...

segunda-feira, novembro 08, 2004

um péssimo argumento

hoje a verdade é novamente cruel.
o responsável pelo argumento não acerta uma para a caixa. e eu começo a ficar deveras preocupado.
alguém reparou no que a SIC noticiava hoje, em rodapé, ao final da tarde? era mais ou menos assim:
"reformados... empregados! o Governo propõe que os reformados até aos 70 anos possam vir a poder trabalhar em part-time!"
Desculpem lá! Ou eu tenho andado muito distraído ou é verdade que o número de desempregados aumenta a cada dia? Principalmente, jovens e recém-licenciados? E querem dar emprego aos velhotes que, durante toda a vida, já se fartaram de trabalhar?
Desculpe lá, senhor argumentista, mas assim não há público que compre este teatro!
E as palmas ficam no silêncio...

nesta "noite escura"

Paulo Branco apresenta, João Canijo realiza.
Uma "noite escura" numa casa de putas. Rita Blanco, Fernando Luís, Beatriz Batarda em magníficas interpretações. Um retrato cruel, nú, duro e verdadeiro da noite. Do tráfico de mulheres, dos pagamentos com o corpo e com a alma. A verdade nua e dura.
Vale a pena chocarmo-nos. Ouvir o português mais ordinário e tirar as conclusões que devemos. Despir a hipocrisia, retirar a venda dos olhos e aceitar algumas verdades.
Num domingo à noite sabe bem deixar o palco e dar lugar às emoções em 35 mm. Pelo prazer da sétima arte. Em português.
Porque hoje já é segunda-feira outra vez. Para o que der e vier.

sábado, novembro 06, 2004

as palavras do pintor

às vezes na plateia encontramos pessoas realmente fantásticas. Exemplos. Flores. Pássaros. Aves. Resistentes. Donos do tempo. De nós. Das experiências vividas...

e é um prazer ouvi-las. Receber os seus comentários calmos, certos, num tom carinhoso, quase meigo... E embebedarmo-nos nas suas palavras. E, porque não confessá-lo, também nas imagens que faz reflectir nas telas.

nos seus desenhos de paisagens, de barcos, de rios e de arbustos. Da ponte que passa o Mondego, visto daqui e dali e ainda do outro lado, de uma águia que sobrevoa o oceano e deste ou daquele pescador de fim de tarde... As cores são quentes e aconchegam-nos.

do alto dos seus oitenta anos, encanta-nos com as palavras e as cores. Hoje tive o prazer de falar com ele. Falámos de pintura, vejam só. O abstrato, o real. Contou-me a lenda do rei sem camisa e eu ri. Concordei também.

para ver e ouvir no CAE. Norberto Guimarães, até 14 de Novembro.

sexta-feira, novembro 05, 2004

santo dia, depois que acaba...

É assim todas as sextas. Larga-se a mesa do escritório e, com um sorriso largo, lançamos a mais feliz das frases aos desgraçados que ainda ficam: "bom fim de semana!" Para eles há-de ser bom concerteza. Pelo menos não terão que nos aturar as manias, o fumo dos cigarros, as piadas infelizes e todo um conjunto de tristes qualidades que nos formam a personalidade e nos hão-de acompanhar até à bendita morte. Enquanto isso, nós, bem felizes, saímos, respiramos o ar da rua como se fosse o mais doce dos aromas, e preparamo-nos para esses dias de descanso. Sábado e domingo. Como é bom... Que o sol nos acompanhe.

quarta-feira, novembro 03, 2004

burro sim, americano nunca...

Podia ser um drama de autor. Podia ser uma tragédia clássica. Podia ser uma piada de mau gosto, de muito mau gosto mesmo. Podia ser simplesmente um pesadelo. Mas não é. É real e a mais pura das verdades. Nua, crua e dura.
Mas vamos aos factos, à história da peça. Tudo se passa do lado de lá do oceano, lá onde o sol se esconde todos os fins de tarde, pensava eu que com vergonha do que via do lado de cá, mas descobri hoje que o faz porque é, acima de tudo, estúpido na verdade. Tudo ronda à volta de uma "palhaçada" mediática, vulgo eleições, e que leva milhões de pessoas a fazer uma escolha. As opções são simples: ou se escolhe o mau ou o muito mau. Resultado: vence o péssimo.
Moral da história: a fast food é responsável, para além dos elevados graus de obesidade de toda a população, pelo massacre de milhões de neurónios. Só isto explica o fim da peça.
A terminar, lembra o autor, em nota de rodapé, as sábias palavras de quem, em tempos longínquos, baptizara aquela terra de Estados Unidos da América: "os americanos lá sabem o que é melhor para eles". E nós, do lado de cá, simples actores, homens do Mundo, arriscamos, com humildade, uma profecia: "estamos fodidos!"

Ricardo Manuel Santos

segunda-feira, novembro 01, 2004

todos os santos

Lá vão eles todos catitas de mão dada como as crianças no jardim-escola. Só lhes falta mesmo o bibe de cor uniforme, seja ela qual for, azul, verde, castanho ou mesmo amarelo. Estes, os que vão de mão dada, usam trajes mais sumptuosos de acordo com a sua categoria e com a sua autoridade. Afinal, hoje é o dia deles. De todos eles. Notaram alguma inveja nas palavras do actor? Pois é, ele não consegue disfarçar, mas não se conforma com estas injustiças humanas. Ou serão divinas? Afinal todos eles, os santos claro, têm um dia cada um e ainda lhes cabe um dia para todos eles juntos! Ora bolas, então e nós os actores? Também podemos ser santos, basta ser esse o entendimento do autor. E quando é o nosso dia? 27 março, dia mundial do teatro? Pois sim, esse é do teatro e do actor quando é?
Mas voltemos aos santos, os que vão de mão dada, todos eles ao cemitério. Vão velar os mortos, aliás como toda a humanidade. Carregam fardos de flores, inflacionadas no preço como mandam as economias e no valor sentimental como mandam as almas. Almas essas que durante o ano vagueiam ao lado delas, malmequeres, rosas, cravos, camélias, gerberas, gladíleos e tantas outras, de todas as cores e feitios, indiferentes, felizes ou tristes. Vem lá o dia, este o dia de todos os santos, e todos, como por magia, se recordam dos seus mortos e vão velá-los. Coitados dos pobres defuntos, nem depois de mortos se livram da hipocrisia da sociedade.
E os santos? Esses lá vão felizes, indiferentes a tudo. Afinal hoje é o dia deles e para alguma coisa são santos.
Ricardo Manuel Santos

domingo, outubro 31, 2004

quem apagou a luz?

De repente, ficamos sem luz. Assim sem quê nem para quê. Mas ainda é tão cedo. Para que raio foi o autor do texto mudar a hora? Agora é domingo, estamos a meio da tarde e lá fora, no palco, não há luz. Se calhar foi o cenógrafo que se esqueceu de pintar o sol. Ou terá sido este que perdeu o brilho?

agarrem-no (Acto I)

A peça já vai longa. As emoções andam à flor da pele. É um diz que disse, ao som das deixas lançadas pelo ponto, que atiçam a personagem. E ela, a dar corpo e alma ao mau da fita, lança do pior que há em si, e quem sabe nos Homens todos, e lança o pânico sobre o palco da acção. Vidros partidos, mesas reviradas e tudo isto num sábado à noite. Vêm os polícias, que quase sempre têm lugar nestes enredos, e, sob a ameaça de um cacetete bem mandado, lá vêm por tudo em pratos limpos - dos que sobraram, é claro - e dá-se por encerrado o acto. O intervalo dá para mil e um comentários, frases exclamativas, interrogativas e, porque não, imperativas. Até à próxima acção. A vida é mesmo assim. Imita o teatro e dá aos homens os mais ridiculo dos papéis: o seu. Ao vivo e a cores.
Ricardo Manuel Santos

sábado, outubro 30, 2004

dia de estreia

Sinto a pele suada. O coração bate, bate e, por cada segundo que passa, o ritmo aumenta ainda mais. A estreia está à distância de breves minutos. Que correm tão velozmente como o coração. E eu quero, anseio aquelas tábuas. Aquela outra vida. A que fica para lá de nós, mas que de nós se serve para respirar, amar, beijar, sofrer, cantar, dançar, cair e morrer. Olho o relógio uma vez mais. Ouço a voz do contra-regra. E as pancadas.

"Sete pancadas, mais três
O pano sobe, entra o actor,
Tem papel, seja o que for,
Que só acaba de vez
Quando o pano fechar
Ou quando a peça acabar

A vida é um teatro
Do elenco ao salão farto
Temos de representar
No palco do realismo,
Fantasia ou fascismo

No palco como na vida
Na pessoa por nós vivida
Há sempre amor e sorte
Há um momento de magia
Que nos sai da fantasia
Desce o pano...
chega a morte!"
Armando Dias

O pano já subiu. Agora sou só eu e o público. Eu e vocês. Neste teatro das palavras.

Ricardo Manuel Santos