terça-feira, agosto 15, 2006

ao vento

a camisa que esvoaça ao vento, presa na corda de nylon, faz-me lembrar o teu corpo que dança. leve, hábil e firme. acena ao mesmo tempo que as folhas das árvores e curva-se com as flores vermelhas, azuis, lilases e brancas do jardim da vizinha. a tua alma escondida numa camisa de dormir.

ontem a camisa ficou aos pés da cama. ao meu lado apenas o teu corpo delgado, escurecido pelo sol, de pele aveludada e quente. adormeci aninhado nos teus cabelos, desfrutando do prazer dos teus beijos, meio loucos, meio sérios. o suor deu lugar à lua que nos espreitava embevecida através da janela semiaberta.

esta manhã, lá fora, o céu faz desenhos de algodão. a brisa lembra os castelos fantásticos e, na minha imaginação, aguardo a chegada da fada-madrinha. talvez sejas tu, que me sorris, secando os cabelos molhados com a toalha que comprámos em Albufeira. lá fora já não há lua. apenas a tua camisa a recordar o teu cheiro.

segunda-feira, agosto 14, 2006

casca de laranja

por passos perdidos pisei uma casca de laranja. do chão emergiu o aroma forte e agrume dos citrinos frescos. o perfume de essências naturais que revestem a tua pele assaltou-me os sentidos.

cobri o teu corpo de Carnaval. a laranja serviu de mote ao fato que envergaste naquela noite sem céu nem estrelas. sorrio ao pensar que parecias um m&m’s inchado de chapéu verde na cabeça.

ao pequeno-almoço o sumo natural deixou a mesa cheia de cascas laranjas. o sol despertava preguiçoso e tu sonhavas na minha cama. a fragrância despertou as emoções e os teus olhos semiabertos sorriram. o sumo derramado sobre os lençóis ficou a testemunhar o amor dos nossos corpos.

hoje continua o passeio indiferente e o odor intenso da casca de laranja dissolve-se no ar. porque tudo se extingue de nós, até o amor e o prazer.

sábado, agosto 12, 2006

ad eternum

desafio o novelo dos últimos meses e coro pelo que vivi, faminto de querer viver cada vez mais. a demente insatisfação que cultiva os meus dias fere-me de morte e sara as feridas do passado. a insanidade da alma já deixou de ser uma doença e regista agora o título de característica humana. essa vontade louca de se ter o que não se pode e amar o que não se deve. porque não nos cabe a nós visar o mundo, mas só e apenas flutuar por cima das águas, ao sabor dos ventos e das marés. um dia a praia há-de embater no casco e já seremos nós apenas corpo sem vida, sob a vigia das estrelas e o pranto das mulheres.
imagem: ["Espero-te!!", de Sérgio Rodrigo]