terça-feira, abril 18, 2006

a solidão é um canto do meu quarto que gosto de habitar. no escuro das noites mal dormidas costumo apertar-me no espaço que fica entre o branco sujo das paredes e ali respirar um pouco de calma e de silêncio. é como um abraço meigo a lembrar o regaço da minha mãe nas tardes soalheiras de Outono.

sabe bem ficar assim sozinho com os sentidos desligados do mundo, a usufruir dos sons e dos cheiros do nosso corpo enroscado sobre si mesmo. de vez em quando sinto uma lágrima desorientada que me percorre o rosto triste. e mesmo sem saber porquê gosto de a lamber e sentir o sal amargo na boca.

nem tudo na vida tem que ter uma explicação. e esta sede de solidão faz parte de mim como o sonho cor-de-rosa de te amar um dia. guardo o canto escuro na palma da mão e rebenta em mim esta vontade louca de chorar.
imagem: ["o frio da solidão", Ramon Pereira de Assis]

sábado, abril 01, 2006

outra vez

o mar azul-esverdeado espraiava-se à sua frente como um lençol de seda disposto a acolher os corpos que se amam, loucamente, num jogo de sedução entre a volúpia e o desejo. a areia escaldante lembrava o sol abrasador que, lá do alto, vigiava, através dos seus raios cor de fogo, os movimentos na praia. e o seu olhar demorado, triste, contrastava com a alegria das ondas que como crianças corriam para lá e para cá, continuamente, sem sinal de cansaço.

inesperadamente, ou talvez não, uma mão poisou-lhe delicadamente sobre o ombro como uma pena que, vagarosamente, se deixa embalar pela suave dança da brisa marítima até cair, como algodão sobre veludo, nas águas mansas de um lago. o seu ritmo cardíaco disparou e dentro de si rebentou um turbilhão de sentimentos.

ela não precisou desviar o olhar das águas mansas à sua frente; sabia que aquele toque representava o fim da ansiedade que lhe apertava o peito e um motivo mais que forte para se deixar de lágrimas e suspiros. o amor, tantas vezes reprimido até ali, tocava-lhe, despia-se perante ela, fazendo com que a sua pele se arrepiasse num extâse mudo, e deixava antever um pôr-do-sol muito mais doce.
imagem: ["Angelwings On The Water", de Miguel]