sexta-feira, dezembro 08, 2006

reminiscências


pouca-terra, pouca-terra, o comboio seguia sempre no seu ritmo cadenciado e infantil, pouca-terra, pouca-terra, cumprimentando as gentes e os locais, de apeadeiro em apeadeiro, enquanto eu ia sentado junto à janela, observando as imagens do mundo lá fora que aparecia e desaparecia num pequeno fechar de olhos.

o meu coração de menino também fazia pouca-terra, pouca-terra, ansioso por quem o esperava no destino lá longe, sedento daquele sorriso doce. ainda hoje fecho os olhos e imagino-te com a roupa de outras vezes e é inevitável sentir o calor dos teus lábios junto dos meus, num arrepio que faz querer viver até à eternidade.

passeávamos sempre no mesmo jardim, de mão dada, namorávamos junto ao lago, como dois pombinhos apaixonados, ao lado de outro pombinhos extasiados, vigiados pelos outros pombinhos que debicam do chão miolo de pão.

ao lanche dois panikes de chocolate e duas ucais naturais aconchegavam o estômago, revolto de êxtase, enquanto trocávamos olhares cúmplices e fazíamos planos para o futuro. e só não foi sempre assim porque descobrimos que a imaturidade e a distância são arqui-inimigos da felicidade eterna.

agora, de volta ao mesmo lugar, encontro o comboio parado na estação. as cores estão mais desbotadas. ou então talvez seja eu num lugar diferente. distante das emoções, despido de menino apaixonado, com uma única certeza na mão: tu não estás à minha espera. e tudo me parece tão diferente.
imagem: [«se desejar fosse ser...», de Hugo]

1 comentário:

Lunna Guedes disse...

Li em algum lugar há algum tempo que tudo que nos remete a infancia tem outros sabores, outros cheiros, outras saudades, outras maravilhas... E então fiquei a lembrar-me das viagens da infancia, feita no velho trem de ferro que por aqui dizia "solta fogo seu foguista, faz esse trem andar seu maquinista!" E lentamente fazia a curva rumo ao um vento gostoso que passava e acariciava quem na janela estava... Ficava ansiosa pelas viagens nas férias que levavam-me a casa de meus avós no interior, a terra dos encantos, da jabuticabeira no fundo do quintal, onde subiamos, os doces que a vovó escondia nos potes pra gente comer... A sopa que estava pronta quando chegávamos, era sempre a mesma e nunca o mesmo o sabor... A chuva da varanda onde sentavamos para apreciar a cidade crescer tanto quanto a gente... Coisas que não acontecem mais... Coisas que são sopros em forma de saudade...
Um abraço a sua alma e a sua saudade!