domingo, outubro 29, 2006

condução perigosa

o vento açoita-me a face impiedosamente enquanto perscruto o horizonte na incessante busca de respostas. tenho esta necessidade intrínseca de querer saber o que existe por baixa da areia da praia, para lá das águas salgadas e da crosta terrestre. eu sei que há – tem que haver! – uma energia qualquer presa entre as placas teutónicas que nos faz andar cá em cima neste completo desatino, bêbados de emoção, alienados da realidade.

o poeta que me acompanha deu-lhe um apelido curto e simples. fala em quatro letras e num termo que qualquer aluno da quarta classe facilmente faria rimar com dor, calor, ardor ou mistério. a verdade é que para os que se dizem adultos esta palavra é mais difícil de compreender [e aceitar] do que para qualquer criança.

entre uma partida e uma chegada, as ondas trazem-me o som abafado e quente do Represas, descrevendo com uma simplicidade extrema a complexidade dos meus sentimentos. diz ele que “às vezes até parece que amamos fora de mão”. o certo é que mesmo sabendo do risco de ficar irrevogavelmente inibido de conduzir existe esta força gravitacional que me impede de fazer inversão de marcha.
imagem: [Cris]

sexta-feira, outubro 20, 2006

música no coração

à entrada somos recebidos pelo mestre. de lapiseira em punho, autografa os programas do espectáculo, cumprimentando calorosamente os seus convidados. sim, para ele a hora é de festa e cada espectador um convidado especial.

já na sala, o veludo encarnado esconde o que está para lá da cortina, naquele faustoso espaço apinhado de gente, carente de música, de cor, fantasia e espectáculo. carente de sonho e de verdade.

à hora marcada ouve-se a música de Richard Rodgers para logo a seguir surgir no palco Maria [Anabela/Lúcia Moniz] com as palavras de Óscar Hammersteins II e o início da caminhada pela vida da austríaca família Von Trapp.

é um verdadeiro motor de emoções este “Música no Coração” de Filipe La Féria.

na memória fica a magnificência da cenografia, a minudência dos adereços (que nos deixam boquiabertos como um espectacular Mercedes dos anos 30 que literalmente nos entra pelo palco dentro), a qualidade das vozes, a grandeza das melodias, o talento dos artistas e a genialidade de La Feria.

um misto de grande beleza e profissionalismo, num encantamento que nos deixa extasiados e nos leva aos melhores momentos do cinema. sem dúvida, um musical imperdível.

sexta-feira, outubro 13, 2006

endividamento


as novas experiências de vida levaram-me a conhecer outras formas de se estar nesta vida, que obrigatoriamente partilhamos neste mundo que infelizmente é como é. ponto final.

formas de estar que cultivam a desresponsabilização e fazem a apologia do facilitismo, na busca dos sonhos que a madrugada traz. contudo, estas madrugadas são lixadas, porque, no fundo, lixam-nos os dias (e assim dito para não ter que usar vocábulos passíveis de ferir susceptibilidades).

e depois quando o buraco está demasiado grande, damos por nós a despertar. gritamos a pedir ajuda, culpamos este e o outro mundo, caluniamos a sociedade – essa malvada senhora! -, mas raramente temos coragem de enfrentar o espelho. e a ajuda, como se sabe, não chega a ninguém despenteado.
imagem: [«...», de Sérgio Redondo]

sexta-feira, outubro 06, 2006

sapos & indigestões

desta vez resolvi calar as frases que na garganta queimam. diz quem sabe que os sapos engolidos provocam indigestões, mas não matam. eu sinto-me mal, acho que não vou morrer, mas enjoo com o cheiro dos vómitos, o que me faz vomitar cada vez mais e mais.

após a indigesta refeição – nem me falem em pernas de rã! –, apanhei um avião e desembarquei nas ilhas Fiji. a minha mãe obrigou-me a regressar na manhã dessa mesma madrugada, porque eu não tinha levado a escova de dentes. ao espelho, achei-me mais gordo.

por esta altura, estou cada vez mais histérico. não é que não tenha medo de ninguém – porque quem tem o que eu e todos têm tem medo –, mas não me vou calar mais. pode correr mal, pois pode!, mas pelo menos tenho a certeza de que passarei a dormir de consciência tranquila. e sem indigestões.
imagem: ["s/t", de Alexandre P.]