quarta-feira, março 30, 2005

sentidos que voam

sabes, sinto-me pássaro. não sei o tom das palavras que me suportam a alma. apenas lhes sinto o tacto e o cheiro e tudo me faz lembrar de ti. ando num voo rasante sobre as ondas...

... constantemente em desequilíbrio e raros são os momentos em que te ouço uma frase completa. há muito que não leio jornais e até o mar se silenciou. caio tantas vezes e levanto-me outras tantas e acabo sempre a chorar e também a rir como uma criança que brinca na rua.

disseste: ohhh amor!... não fosse eu ficar toda vermelha e verias nos meus olhos a resposta à tua pergunta. sorri. não por estares de facto vermelha que nem um tomate, mas porque sabia mesmo a resposta.

sim, essa mesmo: aquela que me trouxe até aqui e me deixou neste estado. um estado pouco católico, diga-se a bem da verdade, até porque nem baptizado deve ter sido. alguém sabe que nome dar ao que sinto?

pois, amor, eu sei: isto é o que dá andar nas nuvens.

(voar)

domingo, março 27, 2005

teatro

Mensagem do Dia Mundial do Teatro

Socorro!
Teatro, vem em meu socorro
Durmo. Acorda-me.
Estou perdido no escuro, guia-me, pelo menos em direcção a uma vela
Estou preguiçosa, envergonha-me
Estou cansado, ergue-me
Estou indiferente, bate-me
Fico indiferente, parte-me a cara
Tenho medo, dá-me coragem
Sou ignorante, educa-me
Sou monstruosa, humaniza-me
Sou pretensioso, mata-me de riso
Sou cínica, confunde-me
Sou imbecil, transforma-me
Sou má, castiga-me
Sou dominante e cruel, combate-me
Sou pedante, troça de mim
Sou vulgar, ensina-me
Sou muda, solta a minha língua
Já não sonho, chama-me cobarde ou imbecil
Esqueci-me, lança sobre mim a Memória
Sinto-me velha e instalada, faz saltar a infância
Estou pesado, dá-me a Música
Estou triste, vai buscar a Alegria
Estou surda, em tempestade faz uivar a Dor
Estou agitado, faz subir a Sensatez
Estou fraca, acende a Amizade
Estou cega, convoca todas as luzes
Estou submetida à fealdade, manda entrar a Beleza conquistadora
Fui recrutada pelo ódio, concede-me todas as forças do Amor.

Ariane Mnouchkine, Encenadora
Tradução de Carmen Santos (enviada pelo Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculos), recebida, via e-mail, através do portal ANTA

não resisti. porque hoje é também o meu dia. se bem que o teatro não é de um dia, mas de todos os dias. não resisti. e, como não podia deixar de ser, esta noite vou ao teatro.

sexta-feira, março 25, 2005

velhos

passam os dias e sentes que és um perdedor
já não consegues saber o que tem ou não valor
o teu caminho parece estar mesmo a chegar ao fim
pra dares lugar a outro no teu banco do jardim

mas a alma não tem idade. a alma não comemora aniversários. a alma vive os dias, sente as emoções, chora as horas, sempre da mesma forma.

no ano dos meus noventa anos quis oferecer a mim mesmo uma noite de amor louco com uma adolescente virgem”, escreve-nos Gabriel García Márquez , no seu «Memória das minhas putas tristes». li o livro numa tarde: um elogio à vida, ao amor. o colorido de uma vida, carregada de memórias, enrugada de boémia, rendida aos prazeres do amor. quente, doce, de chocolate. sem idade. sem sexo. só amor.

e não resisti, uma vez mais, à voz da Mafalda Veiga:

o olhar triste e cansado procurando alguém
e a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém
sabes eu acho que todos fogem de ti
pra não ver a imagem da solidão que irão viver
quando forem como tu
um velho sentado num jardim

velhos são os trapos. e os trapos não sofrem. os trapos não amam.
Mafalda Veiga, Velho,
sentado num banco do jardim

terça-feira, março 22, 2005

casamentos

não imaginava o casamento das acácias com as mesas de madeira de carvalho e os seus bancos corridos, em plena serra. sempre achei que as acácias não deviam ser tocadas, invadidas. tinha até medo de que os olhares pudessem de alguma forma, de qualquer forma, intimidar as pobres acácias, levando-as a assumir uma atitude envergonhada – descolorida, entenda-se.

e os casamentos entre a laranja e o leite provocam dores de barriga. foi o que eu sempre ouvi dizer e o que me levou, até aos dias de hoje, a enjeitar tais degustações por mais vontade que tenha. é certo que até pode ser um manjar dos deuses, mas eu sempre confiei muito na sabedoria popular. não vá o Diabo, ou outro ente qualquer, tecê-las.

depois há os casamentos obrigatórios: cor-de-rosa para as meninas, azul para os meninos. curiosamente, sempre gostei muito do azul. do mar, do céu (e nunca do FC Porto). provavelmente, fruto de uma aprendizagem guiada à rica pelos padrões sociais das cores. felizmente, há hoje em dia a moda das meias às riscas, tipo arco-íris. e os meninos e as meninas podem, finalmente, ser de todas as cores.

a terminar, temos os casamentos humanos. o matrimónio não é mais do que um contrato social que dá direitos e cria deveres, disse-mo a minha professora de Direito. Lembro-me de, naquele momento, me ter arrepiado e mentalmente a ter condenado, muito mais por ser uma mulher a dizê-lo. onde estava a sensibilidade feminina para a causa? hoje dou a mão à palmatória: quem sabe, sabe.

e de casamentos estamos conversados.

sexta-feira, março 18, 2005

terapia do corpo e da mente

esvaziei-me das dores que trazia penduradas ao coração. libertei-as ao vento e gritei as palavras que ouvira dos tempos da revolução francesa: "liberté, égalité, fraternité". o teu sorriso terno apenas me disse aquilo que eu já sabia. nem mais uma palavra: estou louco.

divorciei-me também das palavras que o vento trazia de outras bocas. de línguas ásperas, em nada doces como a tua. fechei-lhes as janelas da minha porta e baptizei a minha vivenda: «vivenda amor». piroso. pois é. deixa lá.

roubei depois ao tempo os ponteiros do relógio e escondi-os debaixo da minha cama. desde esse dia tem-se escondido das rotinas habituais. dos textos e das palavras. eram 2h15, a hora em que te senti no desejo da paixão e ele - o relógio - nunca mais andou.

entreguei-me, por fim, definitivamente nas tuas mãos. sei que agora nada é firme. o apoio do meu corpo resume-se às pétalas que desenham o teu rosto de flor, mas o embalo é meigo. cresci também. perdi o chão, mas, ri-te agora, ganhei o céu.

a terapia diz que a loucura é saudável se a mente souber sorrir dela. poeta eu? não. apenas num estado de felicidade pura. conscientemente. estou louco, pronto.