sexta-feira, janeiro 14, 2005

noites interrompidas

era madrugada. na noite o silêncio e nos meus sonhos a tua música. num ápice, os teus acordes são interrompidos por um grito agudo, aflito. e, em cadência, repete-se uma vez mais e outra e ainda outra.

o barulho apressado do quarto ao lado faz-me acordar. as sirenes continuam a tocar. sinto o respirar pesado da minha mãe e a agilidade do meu pai. imagino: primeiro as calças, depois a camisa, o boné, as meias meio calçadas, botas na mão, a porta da rua que se abre e o barulho monstro de cada passo escada abaixo.

levanto-me. a minha mãe revela a preocupação de tantas outras noites. pergunto: onde é que é? não sei, pediram reforços. colados ao vidros, ainda vimos o carro rua acima, piscando de cada um dos seus cantos, numa velocidade cega. num sussurro, ouço a voz da minha mãe: que Deus o leve em bem.

de novo, sob os lençóis, já não ouço a música que tocava. as sirenes calaram-se, mas ficou um zumbido grave nos meus ouvidos. o coração bate. rezo. rezo sempre pelo meu pai. rezo pelos colegas dele. rezo por aqueles a quem caiu a desgraça e não ouvem já o silêncio da noite.

o hábito dos anos soube domesticar a excitação dos momentos. quando acordo, já o sol vai alto, reconheço sempre no rosto de minha mãe mais uma noite roubada ao sono. o pai? rezo pela resposta. pode ser um simples “já está a dormir” ou um preocupado “não sei, ainda não voltou”.

pai, onde foi o fogo? e ele lá relata os acontecimentos, os meios usados, os perigos. tem na voz a coragem e no olhar o cansaço dos anos atrás das chamas. invejo-o. a ele e aos que, diariamente, dão a vida para salvar vidas. tantos por esse país fora. invariavelmente, esquecidos. invariavelmente, arredados dos sonhos. invariavelmente, afastados das noites em que acordo para o ver sair.

ser bombeiro é a tua glória e o meu orgulho. obrigado, pai. acredita que as noites acordadas são sempre a recompensa das que passaste acordado por mim. lembras-te, pai? faz hoje anos que a tua luta por mim começou. o dia em que deixaste as sirenes tocar e foste a correr para a maternidade ver o teu bébé.
a verdade, pai, é que os parabéns que hoje recebi não são meus, são teus. por tudo o que és.
foto de alessandro maucci

8 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns doce Ricardo! Espero que estejas a aproveitar este dia. É o teu dia e, já que não o posso comemorar ao teu lado, vou comemorá-lo sozinha, porque tu mereces! És adorável! Achei este post mt ternurento, sente-se bem o orgulho que nutres pelo teu pai. Muito bonito! Beijos enormes e um abraço bem apertado. Ana (dreamingabout)

ricardo disse...

bigado! ;) depois contas-me como o comemoraste para mim, ok? jokita fofita

uivomania disse...

É bonito ouvir falar do pai assim!
Quisera que todos os filhos falassem dos pais assim por todos os pais merecerem que os filhos falassem deles assim. Talvez assim, pudessemos falar assim, uns dos outros! Com amor e orgulho, reconhecidos por existirem.
Parabéns!

Anónimo disse...

Querido Ricardo, a minha comemoração passou por ir ao armário das bebidas, enquanto os meus pais foram pôr gasolina, escolher um licor bem docinho e beber um copito de um só trago, depois de mentalmente ter brindado a ti : ) Ana

SL disse...

Aqui Ricardo deixo-te os meus parabéns, na ovação pelas palavras pela dedicatória deste dia a teu pai. Parabéns por seres a pessoa sensível capaz de dar a outro os parabéns que te são de direito! Parabéns, pelas palavras que nos dás, em que te dás, esse amor traduzido em tempo que passas para esse lado daqui encurtando as distâncias...por tudo!
Jinhos e passa um grande dia.

isa xana disse...

ola.. estava de passagem e li o teu blog. gostei das palavras que escreveste, da forma como falaste do teu pai, do teu orgulho.
aproveito e digo-te parabéns pq deduzo k é o teu aniversário:)

ana.in.the.moon disse...

O meu pai foi também a grande referência na minha vida. No dia em que nasci não teve que deixar sirenes a tocar mas teve que andar esbaforido à procura de quem lhe servisse meia dúzia de pastéis de nata que a minha mãe teimou em comer entre uis e ais para aguentar melhor as dores de parto... :) No dia do meu aniversário continuo a dar os parabéns à minha mãe e a agradecer-lhe a minha vida.
Parabéns a ti, pela tua vida, em cuja génese deve mesmo ter andado um qualquer fogo e muita paixão. Que nunca se apaguem.

Anónimo disse...

bonita foto!