recebo da invernia as bofetadas do vento e as carícias agrestes das ondas do mar de quando em vez. vou, por ali, como relógio decidido, rebuscando nos passos as incertezas, vivas pela dor, que a alma teima em alojar. gosto de pensar que o mar poderá ser um dia o lar das minhas feridas. por isso vou.
vejo à porta do cemitério uma invulgar agitação. amontoam-se os carros e as pessoas, de flores e guarda-chuva nas mãos. ah, pois, hoje é dia de finados! o dia em que todos nos lembramos de “visitar” os entes queridos que, pela lei da vida ou contra ela, já se finaram.
estranho, no mínimo. há um dia para cada coisa importante na nossa vida: dia da mulher, do pai, da mãe ou até dos avós; dia dos direitos do homem, da luta contra o cancro; dia da árvore, da criança, de Portugal e de todos os santos. dias que aproveitamos para, a reboque da comunicação social, reflectir, comprar um presente ou levar a efeito uma leitura mais exaustiva sobre o assunto em destaque. como se, para além dessas datas, nos nossos dias tão ocupados, as pessoas que amamos e as coisas importantes da vida não tivessem a importância que merecem.
ao escutar as gaivotas preocupadas – em terra que o mar está agitado –, procuro no calendário, desenhado na areia, o dia do riso: o dia em que, talvez, tivéssemos coragem de rir de nós próprios. e assim fui e voltarei a ir todos os dias, porque sem o mar desta cidade a minha vida não teria a mesma cor.