quarta-feira, dezembro 15, 2004

blasfémia

quatro cadeiras, uma mesa. ao fundo, o balcão envidraçado, as garrafas coloridas, os chocolates. sente-se no ar a disposição leve dos dias bem vividos, as gargalhadas sentidas, as anedotas geniais, as porcas, as malucas, as ‘tecla três’, as louras, as alentejanas. os turistas e as gentes da terra por ali ficam. de sorriso largo e coração aberto. sabem bem aqueles fins de tarde! e esta? qual? esta: um padre da província contava na Eucaristia um dos mais famosos milagres de Cristo, aquando da sua visita à Terra: a ressurreição de Lázaro. “E então Cristo pegou nas mãos de Lajaro e dixe-lhe: ‘Lajaro, alebanta-te e anda’ ... Lajaro alebantou-xe e andeu". Nisto, ouve-se uma voz do fundo da Igreja: ‘Andou, estúpido!’ Ao que o padre respondeu: ‘Pois andou estúpido durante uns tempos, mas depois paxou’”. num ápice, o sossego do sol ao retirar-se dá lugar à confusão: a polícia! eis que de metralhadora na mão, duas dezenas de polícias enroupem pelo bar dentro, ordenando: “Mãos ao ar! Estão todos presos por blasfémia!” o quê? por blasfémia? vê-se então levantar-se de uma das quatro cadeiras iniciais António, um velho pescador, que do alto dos seus cabelos brancos, enche o peito de ar e questiona: “Então que é feito da liberdade de expressão?” o rosto do oficial presente transfigura-se e, num berro, sentencia: “Quem? Liberdade de expressão? Mas eu quero lá saber da sua mulher para alguma coisa! Choldra, já!”
"Se não forem cuidadosamente delineadas, podem ser assaz perigosas as propostas oficiais de revivescência e ampliação do crime de blasfémia em alguns países europeus (Holanda, Reino Unido)" in Causa Nossa.

1 comentário:

ricardo disse...

por mim, murro nos dentes. onde é que já se viu isto? voltamos à idade média, não?